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  • Foto do escritor: àliteração.
    àliteração.
  • 12 de mar. de 2018
  • 4 min de leitura
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ninguém entra num bar.


Sentam-se numa mesa grande, que na verdade são duas, ao canto, Jubarte, GirasSol, Télos e mais outros, anônimos, além de uns mais silenciosos. Os três falam e falam e conversam, enquanto os outros aos poucos intervêm. Num dos cantos da mesa, alguém, que não conheciam, reclamava com o garçom sobre algo de errado com o tempero de sua comida. Mas ninguém aparece e toma-lhes o foco, ao início de mais um de seus monólogos.


-Sempre entrar em um bar parece-me uma aventura; Mesmo sabendo que seus amigos estarão lá, você não realmente sabe... e de coração palpitante passa a visão por todas as mesas a procura daquela. A que você procura. – E falava enquanto dava passos lentos até a mesa, olhando para todos de modo superficial, tentando compensar suas palavras com uma expressão de seriedade, meio lunático. Puxou uma cadeira e sentando-se lentamente continuou – E por barulhos e visões no fundo... tento focar-me no barulho e na luz de vocês... fingindo estarmos sós no meio de outros tantos.


Todos tinham manifestado um respeitoso silencio enquanto ninguém falava, mas cada um focava em algo diferente, sem realmente focar em ninguém, deixavam-no falar sozinho por que sabiam que ele falava com ninguém. GirasSol, como sempre, carregava em seu colo um tímido vaso margarida e o observava como se nunca o tivesse visto, contava-lhe as pétalas e recontava e contava de novo. Outro, de rosto pouco amostra, sentado junto do do tempero, bem ao canto de forma que a luz não lhes iluminava a face, tinha em seu colo um boneco ventríloquo. Télos trazia em seu colo diversos jornais, recortados e rabiscados, com a palavra corrupção repetida de forma aparente sobre eles, atentava-se ao que dizia ninguém de forma superficial, parecia-lhe algo demasiadamente trivial. Dos outros, destacava-se Arte na Praça, por destacando-se não se destacar tanto, ficava meio separado da mesa, de braços dobrados em uma posição defensiva, mas com uma expressão suave que tendia a um sereno sorriso, segurando uma pipa. E também havia Jubarte, a única dos tagarelas que não trazia nada consigo. Usava roupas de inverno, coisa que gerava espanto em qualquer um que percebesse, já que estavam no meio de um forte verão, mas ninguém percebia. E ela olhava fortemente para o fundo de seu copo meio cheio meio vazio, de forma a deixar passar por sua mente todas as suas fortes memórias, transitando entre o feliz e triste. GirasSol, então, rompeu o silencio.


-Um mundo de flores. Pensem, se em cada esquina dúzias de rosas e margaridas, girassóis também. Uma flor que combinasse com cada um, assim mesmo que diferentes, todos se identificariam. Andariam por aqui e por ali, sairiam sempre de suas casas. Flores. Como seria lindo!


Télos de forma educada, mas sem muito interesse a respondeu.


-Flores no Brasil,

Onde é que já se viu?

Por e entre esquinas

Até na puta que pariu.


Os outros olharam para ele com cara de incompreensão, não sabiam como responder, então deixaram-se em silencio, observando uns aos outros. Passado o tempo de educação, Jubarte tomou o assunto.


-Acho que nas flores vê-se toda a graça do mundo, mas que se de graça no mundo perderiam a graça, perderiam o preço. Mal respeitam as coisas pequenas, os detalhes, se muitos, nem os perceberiam. Iriam só se acostumar, se desgastar, seria um.... – e no meio de seu dialogo sereno, de falas leves e talvez até um pouco melancólicas, fora interrompida por ninguém.


-Olha ela... sentada ali ao canto... bem ao nosso canto; mas que do todo é o centro, ela é um encanto. Sei que seus lábios mal movidos me chamam, e como me chamam, como um canto; Sofro por saber que não sei se ela me olha... daqui sem óculos não a vejo... E como queria a ver (mas como tenho medo de vê-la), então fico de vela sem vê-la; preso nessa cela. Que me gela. E seu olhar me rela. Bela. Dela, mela, remela, nela, pela, canela, sela, tabela, tela. Ela. – Falava isso, como se falando com todos, mas mais com si mesmo, não sabiam ao certo se a fala era-lhes direcionada, então num constrangimento ficavam em silencio, enquanto ele de cabeça virada, segurava seu caderninho anotando rimas da palavra ela.


Jubarte em tom depressivo, entristecida pela interrupção, olhando para baixo, ainda em direção ao seu copo, mas que, agora, depois de goles, definitivamente estava meio vazio, disse:


-Nunca serei que nem ela, eu sou só eu. E ela é ela, a Orca. Sei disso e isso me deixa triste. Mas sei que mais triste é ela, se veem todos aqui seus sorrisos é porque no banheiro vai para chorar. Eu sou triste, mas também é ela.


-De nada vale importar-se

Com o nado das orca

Sabe-se que de errado

O nada vale tanto quanto o prado

Em gado de porcas

Então de nada adianta pensar e se.


Télos disparava sua poesia e novamente todos paravam um momento para olhá-lo, como se falasse em outra língua - Todos menos GirasSol que ainda admirava sua margarida, contando-lhe as pétalas. Ele sempre com sua visão rígida e descontraída, nunca sabiam o que se passava em sua cabeça, mesmo que falasse, porque ninguém conseguia entendê-lo. Então, ele, numa forma de introduzi-los a roda, exercendo do papel que acreditava que a ele era dado, mesmo que tardiamente, para evitar a perpetuação do monopólio do diálogo, abriu-lhes um caminho de fala:


-Camaradas! Apresentem-se!


Então um dos mais silenciosos pôs se em processo de fala, testou a função fática e quando todos olharam para ele curiosos, pôs-se a falar:


-Não quero me identificar.


Em segundo veio um ser sorridente de fisionomias genéricas.


-Oi.


E então, os três mais quietos, que sentavam juntos quase que em uma união de três cadeiras a observar os demais com certo espanto, puseram-se a falar.


-Laura.


-Felipe Penteado.


E por último, com uma cara avermelhada, disse Mariana Fillietaz, por um equívoco na comunicação – O (a)presente não existe.


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